quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O gracejo de um sábio em relação a um palácio - Farid Ud-Din Attar

 

O gracejo de um sábio em relação a um palácio

Um rei construiu um palácio que lhe custou cem mil dinares. 
Adornado por fora de torres e cúpulas douradas, 
era por dentro um paraíso, gracas aos móveis e tapetes.
Concluída a construção, o rei convidou homens 
de todos os países para visitá-lo. 
Os convidados chegaram carregados de presentes,
e o rei os fez sentarem-se ao seu lado. 
Em seguida rogou-lhes: 
"Dizei o que achais do meu palácio. 
Esqueceu-se, acaso, 
de alguma coisa cuja falta lhe desfigua a beleza?" 
Todos protestaram que nunca existira na terra 
um palácio igual e que nunca se veria outro semelhante.
Isto é, todos menos um, 
um sábio, 
que se levantou e disse...  

"Existe senhor, uma pequena rachadura 
que, para mim, constitui um defeito. 
Não fora esse defeito 
e o próprio paraíso vos traria presentes do mundo invisível."
"Não vejo defeito nenhum", 
volveu o rei, colérico. 
"És um ignorante e só queres fazer-te importante."
"Não, orgulhoso rei", revidou o sábio,
"A fresta a que me refiro é a mesma 
pela qual passará Azrael, o anjo da morte. 
Prouvera a Deus que pudésseis fechá-la, 
pois, do contrário, para que prestam o teu palácio magnífico,
a tua coroa e teu trono? 
Quando a morte chegar, 
eles não passarão de um punhado de pó. 
Nada subsiste, 
e é isso que estraga a beleza da vossa morada. 
Nenhuma arte poderá tornar estável o instável. 
Ah! Não deposites vossas esperanças num palácio! 
Não deixeis caracolar o corcel do vosso orgulho. 
Se ninguém se atreve a falar com franqueza ao rei 
e lembrar-lhe suas faltas, 
isso é uma grande infelicidade." 

(Farid Ud-Din Attar, em: A conferência dos pássaros)

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