quarta-feira, 24 de março de 2010

A Instrução do Mahamudra para Naropa - Tilopa

 Tilopa

A Instrução Mahamudra para Naropa em Vinte e Oito Versos

Homenagem aos Oitenta e Quatro Mahasiddhas!
Homenagem ao Mahamudra!
Homenagem à Vajradakini!

    [1] O Mahamudra não pode ser dito, mas ó inteligente Naropa,
    Como você passou pela austeridade rigorosa,
    Com tolerância no sofrimento e devoção ao mestre,
    Ó abençoado, guarde esta instrução secreta em seu coração.

    [2] O espaço é suportado em algum lugar? Sobre o que ele repousa?
    Como o espaço, o Mahamudra não depende de coisa alguma;
    Relaxe e se assente no continuum da pureza indestrutível
    E, com as amarras soltas, a liberação é certa.

    [3] Olhando concentradamente para o céu vazio, a visão cessa;
    Do mesmo modo, quando a mente olha para a própria mente,
    Termina o treinamento do pensamento discursivo e conceitual
    E a iluminação completa é obtida.

    [4] Assim como a neblina da manhã se dissolve no ar,
    Indo a lugar nenhum mas cessando de ser,
    As ondas da conceitualização — tudo criação da mente — se dissolvem
    Quando você observa a verdadeira natureza de sua mente.

    [5] O espaço puro não tem cor ou forma
    E não pode ser manchado de preto ou branco;
    Assim também, a essência da mente está além da cor e da forma
    E não pode ser manchada por ações negras ou brancas.

    [6] A escuridão de mil eras não tem poder
    Para ofuscar a claridade de cristal do coração do sol;
    E do mesmo modo, eras de samsara não têm poder
    Para encobrir a luz clara da essência da mente.

    [7] Apesar do espaço ser designado de vazio,
    Na realidade ele é inexprimível;
    Apesar da natureza da mente ser chamada de luz clara,
    Sua própria atribuição é uma ficção verbal sem base.

    [8] A natureza original da mente é como o espaço;
    Ela permeia e abraça todas as coisas sob o sol.
    Seja calmo e permaneça relaxado no conforto genuíno,
    Seja quieto e deixe o som reverberar como um eco,
    Mantenha silenciosa a sua mente e assista o fim de todos os mundos.

    [9] O corpo é essencialmente vazio, como um tronco de junco,
    E a mente, como o espaço puro, transcende absolutamente o mundo do pensamento;
    Relaxe em sua natureza intrínseca, sem abandono ou controle —
    A mente sem objetivo é o Mahamudra —
    E, com a prática perfeita, a iluminação suprema é obtida.

    [10] A luz clara do Mahamudra não pode ser revelada
    Pelas escrituras canônicas e tratados metafísicos
    Do Mantravada, das Paramitas ou do Tripitaka;
    A luz clara é encoberta pelos conceitos e idéias.

    [11] Nutrindo preceitos rígidos, o verdadeiro samaya é enfraquecido,
    Mas com a cessação das atividades mentais, todas as noções fixas se apaziguam;
    Quando a maré do oceano é una com suas profundezas pacíficas,
    Quando a mente nunca se desvia da verdade indeterminada e não-conceitual,
    O samaya inquebrável é como uma lâmpada acesa na escuridão espiritual.

    [12] Livre dos conceitos intelectuais, desaprovando os princípios dogmáticos,
    A verdade de cada escola e escritura é revelada.

    [13] Absorvido no Mahamudra, você está livre da prisão do samsara;
    Equilibrado no Mahamudra, a culpa e a negatividade são consumidas;
    E como um mestre do Mahamudra, você é a luz do Dharma.

    [14] O tolo em sua ignorância, desprezando o Mahamudra,
    Nada conhece além da luta na inundação do samsara.
    Tenha compaixão por aqueles que sofrem de constante ansiedade!
    Doente de um sofrimento inflexível e desejando a liberação, adira a um mestre,
    Pois quando a bênção dele tocar o seu coração, a mente é liberada.

    [15] Kyeho! Ouça com alegria!
    O investimento no samsara é fútil; é a causa de cada ansiedade.
    Já que o envolvimento mundano é inútil, procure o coração da realidade.

    [16] Na transcendência das dualidades da mente, está a visão suprema;
    Em uma mente calma e silenciosa, está a meditação suprema;
    Na espontaneidade, está a atividade suprema;
    E quando todas as esperanças e medos falecem, a meta é alcançada.

    [17] Além de todas as imagens mentais, a mente é naturalmente clara:
    Não siga outro caminho que não seja o dos buddhas,
    Não aplique técnica alguma para obter a iluminação suprema.

    [18] Kyema! Ouça com simpatia!
    Com a sabedoria em seu lamentável predicamento mundano,
    Percebendo que nada pode durar, que tudo é como um sonho,
    Como uma ilusão sem significado, que provoca frustração e aborrecimento,
    Retorne e abandone suas buscas mundanas.

    [19] Corte o envolvimento com sua terra natal e seus amigos
    E medite sozinho em um retiro na floresta ou na montanha;
    Fique lá em um estado de não-meditação
    E, atingindo o não-atingimento, você atinge o Mahamudra.

    [20] Uma árvore estende seus galhos e põe folhas,
    Mas quando sua raiz é cortada, sua folhagem seca.
    Assim também, quando a raiz da mente é cortada,
    Os galhos da árvore do samsara morrem.

    [21] Uma única lâmpada elimina a escuridão de mil eras;
    Do mesmo modo, um único lampejo da luz clara da mente
    Apaga eras de condicionamento kármico e cegueira mental.

    [22] Kyeho! Ouça com alegria!
    A verdade além da mente não pode ser compreendida por qualquer faculdade mental;
    O significado da não-ação não pode ser compreendido pela atividade compulsiva;
    Perceber o significado da não-ação e do além-mente
    Corta a mente em sua raiz e repousa na consciência nua.

    [23] Permita que as águas barrentas da atividade mental se clareiem;
    Refreie tanto a projeção positiva quanto a negativa —
    Deixe as aparências sozinhas.
    O mundo dos fenômenos, sem adição ou subtração, é o Mahamudra.

    [24] A onipresente base não-nascida dissolve seus impulsos e delusões;
    Não seja convencido ou calculista, mas repouse na essência não-nascida
    E deixe se dissolver todos os conceitos de si mesmo e do universo.

    [25] A mais elevada visão abre cada porta;
    A mais elevada meditação sonda as profundezas infinitas;
    A mais elevada atividade é não-governada, porém decisiva;
    E a mais elevada meta é o ser comum, sem esperança ou medo.

    [26] No começo, seu karma é como um rio caindo em um desfiladeiro;
    No meio, ele flui como um rio Ganges serpenteando gentilmente;
    E no fim, assim como um rio se torna um com o oceano,
    Ele termina na consumação, como o encontro de mãe e filho.

    [27] Se a mente for estúpida e você for incapaz de praticar estas instruções,
    De reter a respiração essencial e expelir a seiva da consciência,
    De praticar olhares fixos — métodos de focalizar a mente —,
    Discipline-se até que o estado de consciência mental se estabeleça.

    [28] Quando servir a uma consorte, a consciência pura do êxtase e da vacuidade surgirá.
    Disposto na abençoada união da sabedoria e dos meios hábeis,
    Envie a bodhichitta vagarosamente baixo, retenha-a, retraia-a para cima
    E, conduzindo-a à fonte, sature o corpo inteiro.
    Mas essa consciência surgirá apenas se o desejo e o apego estiverem ausentes.
    Então, obtendo a jovialidade da vida longa e eterna, crescente como a lua,
    Radiante e clara, com a força de um leão,
    Você obterá rapidamente o poder mundano e a iluminação suprema.

    Possa esta instrução essencial do Mahamudra
    Permanecer nos corações dos seres afortunados.

 
 
A Instrução Mahamudra para Naropa em Vinte e Oito Versos foi transmitida pelo grande mestre e mahasiddha Tilopa ao pandita, sábio e siddha de Kashmir, Naropa, próximo aos bancos do rio Ganges, após completar suas doze austeridades. Naropa transmitiu os ensinamentos em sânscrito, na forma de vinte e oito versos, ao grande tradutor Marpa Chökyi Lodrö, que fez uma tradução livre deste texto em sua vila, Pulahari, na fronteira do Tibet com o Butão.
 
Texto obtido em: http://www.dharmanet.com.br/milarepa/tilopa.htm

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