quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Morrei de amor - Rumi



Morrei, morrei, de tanto amor morrei,
morrei, morrei de amor e vivereis.

Morrei, morrei, e não temeis a morte,
voai, voai bem longe, além das nuvens.

Morrei, morrei, nesta carne morrei,
é mero laço, a carne que vos prende!

Vamos, quebrai, quebrai esta prisão!
Sereis de pronto príncipes e emires!

Morrei, morrei aos pés do Soberano:
e assim sereis ministros e sultões!

Morrei, morrei, deixai a triste névoa,
tomai o resplendor da lua cheia!

O silêncio é sussurro de morte,
e esta vida é uma flauta silente.

Djalal Ud-din Rumi

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Anedota de um contemplativo - Farid Ud-din Attar


Um louco, um idiota de Deus, andava nu quando outros homens andavam vestidos. E ele pediu:
“Ó Deus, dai-me um belo traje, e ficarei contente como os outros homens”.
Respondeu-lhe uma voz vinda do mundo invisível:
“Dei-te um sol quente; senta-te e deleita-te nele”.
“Por que me castigas?”, volveu o louco. “Uma roupa melhor não seria preferível ao sol?”
Tornou a voz:
“Espera dez dias com paciência, que, logo depois, te darei outra vestimenta”.
O sol crestou-o durante oito dias; findo esse período, apareceu um pobre e deu-lhe uma roupa que tinha um milhar de remendos. 
O louco disse a Deus:
“Ó vós, que tendes conhecimento das coisas ocultas, por que me destes esta vestimenta remendada? Queimastes, acaso, todas as vossas vestes e precisastes remendar esta velha? Costurastes, um ao outro, um milhar de trajes. Com quem aprendestes tal arte?”
Não é fácil ter tratos com a corte de Deus. O homem precisa tornar-se como o pó da estrada para chegar até lá. Depois de longa luta, imagina ter atingido a meta, quando, na verdade, ainda está longe dela.

Reflexão

Neste conto sufi vemos a figura de um "louco" que espera as recompensas dos seus pedidos a Deus.O homem nú, que simboliza o asceta, desprendeu-se do mundo dos homens esperando a recompensa por seu desprendimento. No entanto, tal desprendimento não era completo, mas sim visava, ainda, pelo fruto das suas ações. Primeiramente, a resposta aos seus pedidos vem pela natureza: o sol que faz tudo nascer e de onde tudo adquire a vida, que ilumina a visão do homem, e faz resplandecer a criação é o maior presente que Deus pode nos dar. O homem não compreende a resposta de Deus e reclama, pedindo roupas que lhe fossem apropriadas no caminho. Esta segunda súplica simboliza a oração que visa a bens materiais. Quando o homem dirije-se a Deus pedindo por bens materiais, Deus volta a prová-lo pedindo que aguarde durante dez dias, e no fim deste período dá ao homem uma roupa toda esfarrapada para que se vista. O homem não entende novamente tal provação. Como lição desta atitude divina, pode-se interpretar que o buscador que deseja evoluir na senda do conhecimento divino deve estar preparado para adquirir um total desapego do ego. Somente assim ele suportará todas as provações do caminho. As recompensas que vem a tal homem, às vezes podem ser mínimas e passarem despercebidas. Tal como o sol que ilumina ou a vestimenta incompleta, são aquelas pequenas recompensas que o homem de Deus obtém no caminho, e que deve considerar satisfatórias para si: a ajuda de um amigo, o filho com saúde, o amor de um sorriso, a gratidão de alguém necessitado, um caminho aberto por onde seguir, etc. O buscador - que aparece aos outros homens como um louco - não deve esperar dons ou presentes materiais, mas sim presentes para a sua alma. Estes últimos estarão velados nas mínimas coisas. Não há recompensas que levem a um ponto final no caminho da evolução espiritual, mas apenas que levam a um maior esforço e desprendimento do ego material. A mensagem sufi pede para que transformemos nosso ego como o pó da estrada. Nos dizeres de Meister Eckhart:


"Algumas pessoas desejam ver a Deus com seus olhos, assim como vêem uma vaca, e amá-lo como amam suas vacas, pelo leite, pelo queijo e pelo lucro que lhes traz. Isso acontece com pessoas que amam a Deus visando à riqueza externa e ao conforto interno. Eles não amam corretamente a Deus quando O amam em seu próprio interesse. Em verdade vos digo que qualquer objetivo que tiverdes em mente, mesmo que seja bom, será uma barreira entre vós e a recôndita verdade."

"Se eu tivesse um amigo e o amasse unicamente porque recebo dele algum favor e porque ele faz todas as minhas vontades, neste caso eu não amaria meu amigo, mas a mim mesmo. Quero amar meu amigo, mas unicamente por sua bondade própria e por sua virtude própria, como também por tudo aquilo que ele é em si mesmo; somente neste caso é que amo realmente meu amigo. O mesmo se passa com o homem fundado no amor de Deus; um homem assim não procura em Deus nada que lhe seja próprio, nem por ele mesmo nem por qualquer coisa, seja ela qual for; este homem ama a Deus unicamente por sua própria bondade, pela bondade de sua natureza e por tudo aquilo que ele é em si mesmo: eis o verdadeiro amor."

poesia - por onde o sol andar



O amor é como um laço
Entre os céus e a terra
Brilha onde o sol não chega

Tem as chaves que abrem o coração
Daquele que navega nesse mar de ilusão

Sinta a ventania que me carrega
Para longe desse deserto de pedra
Onde a noite espera

O amor fez nascer
As flores do cantar
Me leva por onde o sol andar

WDS

Para Kátia Batista