Por que não podemos permanecer lá no alto?
É por não termos saído inteiramente deste mundo.
Virá um tempo em que a contemplação será ininterrupta,
posto que não haverá mais nenhum obstáculo do corpo.
Aliás, não é a parte que contemplou que é velada pelo corpo,
mas a racional: aquela que,
quando a que contemplou está inativa no que diz respeito à contemplação,
está ativa quanto ao conhecimento racional
que consiste em demonstrações, provas e diálogos da Alma consigo mesma.
Mas o ato de contemplar e o contemplador não são raciocinantes:
são superiores, anteriores, transcendentes ao raciocínio (logismoi),
como o próprio Objeto de sua contemplação.
Por isso, quando o contemplador contemplar a si mesmo (o Uno),
verá a si mesmo como descrevemos, abrasado.
Ou, antes, estará unido a si mesmo nesse estado,
e terá consciência de estar nesse estado glorificado,
uma vez que se tornou simples.
Talvez não se deva dizer "verá a si mesmo", mas "será visto",
se é possível dizer que o vidente e o objeto de sua visão são dois e não um.
Portanto, nesse momento, o vidente não vê,
nem distingue,
nem imagina que são dois:
mas tendo se tornado de certo modo outro,
e não mais sendo ele mesmo,
nem dele mesmo,
pertence inteiro ao que está lá no alto,
e,
possuído por ele,
é uno com ele,
como se seu centro coincidisse com o Centro.
Pois, mesmo aqui embaixo, dois centros que coincidem são um,
mas tornam-se dois quando se separam.
Por isso é difícil descrever essa visão.
Pois, como podemos chamá-lo (ao Uno) de "outro",
se no momento em que foi visto não foi visto como outro,
mas uno com aquele que o viu?
Plotino - Enéada VI 9. 10